Seg, 21 de agosto de 2023, 21:17

Mudanças no Novo Ensino Médio: o que podemos esperar?
Artigo de opinião do Prof. Christian Lindberg (DFL/UFS)

No último dia 7 de agosto, o ministro da educação, Camilo Santana, anunciou o resultado da consulta pública que teve por objetivo sondar a população, especialmente, estudantes e professores, a fim de avaliar a implantação do novo Ensino Médio (NEM).

Após três meses, mais de 150 mil pessoas participaram da enquete disponibilizada na página do Ministério da Educação (MEC), além dos webnários, audiências públicas e outros instrumentos consultivos. Praticamente em todos, tem-se a sensação de que há certa preocupação da sociedade com os destinos da última etapa da educação básica.

O resultado constatou as condições precárias de infraestrutura nas escolas, os problemas relacionados à formação inicial e continuada dos professores e professoras, a retirada de disciplinas científicas do currículo (Física, Química, Biologia, Geografia, Sociologia, Filosofia, etc.), a resistência à implementação de Educação a Distância (EaD) no Ensino Médio, entre outros.

O diagnóstico elaborado reforçou as críticas feitas ao NEM desde 2016, ano que foi encaminhado pelo MEC ao Congresso Nacional para votação. Grosso modo, temia-se, com razão, de que o novo Ensino Médio aprofundasse as desigualdades educacionais e, consequentemente, sociais existentes em nosso país. Avalio, sobremaneira, que assumir os problemas listados, mesmo que tardiamente, é relevante e pode sinalizar para mudanças importantes.

Feito a análise, o ministro da educação apontou que o MEC encaminhará, entre o final deste mês e início de setembro, um projeto de lei ao Congresso Nacional para rever aspectos contidos na lei 13.415/2017. Por outro lado, outros dispositivos legais deverão ser encaminhados para o Conselho Nacional de Educação e, no caso do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a discussão do novo formato acontecerá no processo de elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2024-2034.

Entre os pontos apresentados por Camilo Santana, naquilo que tem sido chamado de Sumário da Consulta Pública, estão: 1) Recompor a carga horária destinada à Formação Geral Básica (FGB); 2) Definir os componentes curriculares cujos saberes precisam ser contemplados na oferta das áreas do conhecimento; 3) Reduzir o número de itinerários formativos, que passam a se chamar percursos de aprofundamento e integração de estudos, de cinco para três; 4) Vedação ao uso de EaD na Formação Geral Básica; 5) Manter o ENEM 2024 circunscrito à FGB; 6) Fomento da oferta de Educação Profissional Técnica; 7) Ampliação das matrículas em tempo integral.

Uma primeira leitura aponta para mudanças substanciais naquilo que pode ser compreendido como a essência do NEM. A proposta aponta para o aumento da carga horária da Formação Geral Básica, possibilitando o retorno obrigatório das disciplinas científicas, como Física, Química, Filosofia, Sociologia, Biologia, etc.

Nota-se, também, o fim do conceito de itinerário formativo, que no novo Ensino Médio abrange cerca de 40% total da carga horária. Em seu lugar deverá entrar o que o MEC chamou de percursos de aprofundamento e integração de estudos, integrando as áreas de Matemática e Linguagens com Ciências da Natureza ou Ciências Humanas.

Há outros aspectos dignos de menção, mas vou discorrer sobre aquilo que identifico como elementos cruciais que demandam atenção. No caso da oferta de Educação Profissional e Técnica, que aparece como o terceiro percurso de aprofundamento, o anuncio feito pelo MEC passa a impressão de que continuará a desarticulação entre Formação Geral Básica e Formação Técnico Profissional. A exemplo do que acontece nos Institutos Federais, seria salutar a incorporação do conceito de ensino médio integrado, associando ensino propedêutico com profissional.

Outra lacuna diz respeito à Educação de Jovens e Adultos (EJA). O anuncio feito pelo MEC não abordou o tema. Considerando aspectos históricos e sociais de nosso país, negligenciar a possibilidade de jovens e adultos usufruírem o direito ao Ensino Médio com as condições mais próximas possíveis da oferta regular é o mínimo que o estado brasileiro pode fazer por eles. Não custa lembrar que, com base no NEM, 80% da carga horária do EJA pode ser ofertada a distância.

Condorcet, nos debates que giraram em torno da Constituição pós-revolução francesa, defendeu que o direito à educação pública fosse um direito de todos e todas. De igual modo, citou o Estado como órgão responsável para efetivá-lo. Qualquer mudança que ocorra no novo Ensino Médio precisa ser guiada pelo princípio político de que a Educação é um instrumento civilizacional, antidoto de espécie de desigualdade.

Resta-nos, portanto, aguardar os próximos passos para avaliarmos em qual direção apontará as diretrizes do Ministério da Educação para a última etapa da educação básica.



Christian Lindberg - é professor do Departamento em Filosofia (UFS). Doutor em Filosofia da Educação UNICAMP) e pós-doutor em Educação (UNICAMP), é integrante do Grupo de Ética e Filosofia Política da UFS. Atualmente coordena o Programa de pós-graduação em Filosofia (UFS) e o Observatório do Ensino de Filosofia em Sergipe (OBSEFIS)


Artigo originalmente publicado na coluna mensal Filosofia e Política, no CINFORM Online – Ano 4 - Ed. 314 - 21/8/2023 - pp. 87-92

Atualizado em: Seg, 21 de agosto de 2023, 22:18
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